sábado, junho 20

O Primeiro




Alguém sempre disse que a primeira vez é especial. Tudo que nos acontece pela primeira vez tem um poder enigmático de marcar nossa existência. Convenções mais velhas que meu primeiro dente-de-leite extraído, que a primeira vez que pisei na escola ou cortei o dedo em uma folha de papel. Mas nem tudo se torna especial quando nos acontece em primeira instância. Escolhemos até mesmo as lembranças a guardar, porque de alguma forma, feliz ou infeliz, elas foram mais relevantes para nós.
Ah! Meu primeiro dia em uma escola com gente grande. Como tudo era tão grande e convidativo. A creche da tia teteca, dos ursinhos fofinhos ou das formigas cantantes pareciam tão insignificantes naquele momento! Eu era grande, tão grandiosa quanto aquelas estruturas à minha volta, tão faminta por coisas novas quanto meus coleguinhas enormes, tão desconhecida de mim quanto o futuro que se abria diante dos meus olhos.
Vivi muitos primeiros. Uns pus em minha mente, outros deixei para trás para caber outros melhores. Meu primeiro chiclete eu esqueci quando foi mascado, mas o meu primeiro amigo eu jamais vou esquecer.
Claro que papai e mamãe são ótimos amigos. Mas eles, na verdade, são muito mais que isso. Tinha uns parentes e parentas aos quais me afeiçoava, alguns deles até datavam da mesma chegada ao mundo que eu. Todos impressionantemente muito legais e bons. No entanto, não os escolhi, tinha sido agraciada ou menos por suas presenças em minha vida. O dia em que fiz meu primeiro amigo foi muito mais especial...
Não éramos o que chamávamos de almas gêmeas, porque este conceito combina mais com o primeiro namorado. Talvez fôssemos as almas fraternas, menos parecidas, menos perfeitas um para o outro, mais livres para dizer para sempre. Nosso primeiro encontro não foi sonhado, acho que nem sequer eu o esperava, mas a transformação que me fez foi realmente importante.
Eu usava um tênis azul que era já tinha sido de um primo, combinava harmonicamente com uma mochila do powerangers da mesma cor. Além de querer entender o preconceito da minha mãe contra a Barbie, eu não achava que tinha grandes problemas. Nem tímida nem introvertida, me considerava legal.
Ela vinha de outro estado, extrovertida e natural, uma mochila rosa pink, um sotaque nordestino que eu mal podia compreender. Ela gostava de fangangos* e eu preferia hipopó* de flocos. Eu amava português e ela era a melhor aluna de matemática. Diferentes, mas não opostas. Nosso encontro foi simples e comum; ela havia chegado a pouco e eu tinha um sentimento matriarcal meio precoce. Senti que ela pudesse sentir solidão e quis evitar, conversamos, trocamos a merenda e selamos amizade com Ketchup. Até aquele momento eu não sabia o que significava tudo o que havia vivenciado. De repente provei o doce sabor do conviver, do gostar, do dar risadas das coisas simples. Criei códigos inúteis que só a gente entendia, inventei histórias, senti tantas coisas boas novas. Era amor. Muito mais que aquele friozinho na barriga, uma tranqüilidade em estar com alguém: minha amiga. Descobria mais tarde que ela talvez não fosse a melhor de todas, mas sempre seria a primeira.
A amizade precisa ser descoberta. Não adianta apenas saber que ela está em outro continente porque ela só existe quando está em você. Eu havia a descoberto, aprendido a multiplicá-la e levá-la ao alcance de outros do meu convívio. Eu era uma amiga.
Um dia os pais delas vão embora e eu descubro outro primeiro: a primeira saudade. Eu chorei, a dor latente perdurou por muitos momentos. Nos ligamos algumas vezes, telefone não era algo tão fácil nesses tempos. Acho que um tempo depois ela se mudou de novo. Nunca mais nos falamos, nem nos achamos pelo Orkut uma década depois. Encerramos nossas carreiras como amigas uma da outra. Mas só havíamos começado no negócio da amizade.
Procuramos a origem como uma forma de explicar e compreender o que está a nossa volta. Como se saber onde começou, pudesse fazer o funcionar o presente ou vislumbrar o futuro. Todo amizade tem começo, meio, e quase todas um fim. Fases da vida, fases do amor. A eternidade não nos pertence, embora possamos alcançá-la. Ela foi um presente de um amigo, muito, muito especial...
Só para quem não lembra:
* fandangos é uma marca de biscoito tipo salgadinho e hipopó era um biscoito recheado...rs

3 comentários:

  1. Meu texto geralmente reflete meu momento... e aquele foi um momento de muitas condicionais! rs
    Ainda sou uma aprendiz, por isso, às vezes me valho das 'palavras dos outros'! :)

    Seu texto é sempre muito inspirador! Aprendo muito! A gente quase pode sentir o "cheiro" de coisa boa que ele traz.

    Sobre o blog de meninas, claro que seu texto servirá! O toque feminino, a alma é inconfundível!

    Beijos!

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  2. irmã como vc escreve bm.. lembre bem quando me contva algumas historia de quando era pequeninaa...

    Liliane Milanez

    bjo

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  3. E às vezes ainda me sinto desconhecida de mim, acontece a cada passo novo. Estamos vivendo uma fase de tanto, não é?

    Que texto fofo, amiga, é, amizade é tão bom. "tranquilidade de estar com alguém", poder ser você mesma, e os códigos é de lei.

    "Todo amizade tem começo, meio, e quase todas um fim. Fases da vida, fases do amor." < isso é tão verdadeiro. Porque a gente muda, é inevitável, e a cada fase novas pessoas figuram ao nosso redor, o que não exclui as outras, mas, tem sempre um mas.

    hey, você usava mochila do power ranger, Monique? heheh eu usava da barbie :P

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