domingo, novembro 29

Inverossimil

Inverossímil

Liane apertava os olhos com força imaginando que não passara tudo de mero sonho. Gotículas de água fresca rebatiam sobre sua pele delicada assim como o vento embaraçava seus cabelos. Mas não sentia frio. Não sentia medo. Sentia vida. O frescor de quem está intenso outrora tranqüilo. Doce perfume de uma manhã solar.
Ao olhar, o que contemplava não era passível de descrição. Como comparar o que não contava de um exemplar entre os mortais! Era a idealidade. Utopia perfeita e verossímil da qual havia sido eleita a participar.
As águas desciam do cume de uma montanha estrondosa que mais parecia esculpida, não por humanidade alguma, talvez pela naturalidade aquática, talvez por quem estivesse além de suas fronteiras. O bordeamento era feito de flores grandes, selvagens e amiúdas. Liane ainda imóvel começa a respirar a plenitude daquele lugar.
Uma pontada subitamente aperta-lhe o peito. Não havia feito nada que a tornasse merecedora do sublime! Buscando em sua memória falida, lembrou-se de que fora boa, mas nunca perfeita de fato. Talvez nem boa fosse um adjunto adequável à menina; cabia-lhe melhor o título de humana. E a humanidade não poderia habitar o perfeito, adornaria com imperfeição sua superfície.
A dor que se segue a descoberta aproxima a desesperança. O inalcançável reproduz a derrota antes mesmo que esta se anuncie. Quando volta à sua realidade descobre que nem tudo era tão belo assim. Não no seu mundo ideal, perfeito. Lá a beleza conjugava-se ao existir. Aqui, a ordinariedade das coisas era o mais comum.
Não podia ir ao seu mundo ideal, não desejava mais sua terra humanizada.
Esfrega os olhos e não acredita: uma ponte estreita que ela não tinha dúvidas do destino. Idealidade. Realidade. Era uma eleita entre a humanidade.
Enquanto caminhava, entretanto, percebia que a ponte era mais longa que o que seus olhos contemplavam, muitas vezes seguida de pequenas quedas e arranhões. O que mais lhe motivava era perceber que nunca estava sozinha em sua ponte. E que embora longo, a estrada ao infinito era dotada de finitude.
Liane agora firma o olhar. Sabe para onde vai.






sábado, novembro 7

Carta ao que me faz bem


No clima do texto anterior, mas agora na minha língua materna. Ainda falta algo nele, publico e modifico quando descobrir.

Carta ao que me faz bem
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Resposta de quem sempre te quererá muito bem:
!
Fique mais um pouco querida, ainda é muito cedo para partir. Trouxe alguns novos brinquedos para você. Eles a ajudarão a desenvolver-se e a ter um tempo de qualidade aqui comigo. Trouxe alimento também, nunca me esqueço de trazer água. És tão preciosa...
Às vezes eu compreendo sua curiosidade, é coisa da idade. Lembre-se que sempre terei coisas novas, quando desejar brincar e estar comigo.  Faz parte da vida o ser borboleta, mas não voe para tão longe de mim; seu casulo agora é o mundo, mas cuides para não se esqueceres de mim.
Eu sei. Você está cada vez mais crescida. Tão formosa. Lembro-me de quando eras apenas um botão. Tinha medo dos espinhos machucarem àqueles que a tocassem, mal sabias que seu perfume sobrepujaria todas as virtudes.
Preparei instruções valiosas para você. Não! Não as dispare ao vento...
És tão talentosa, sempre acreditei que seria estrela. Não, não abandones suas aulas. Os treinos são vitais até mesmo para um recordista mundial. Não a impedirei de voar, leve minhas lágrimas com você.
Você sempre foi minha melhor obra-prima, a especial. Não se vá... Tens lugar de honra do salão de minha galeria
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Carta ao que me faz bem
? !
Estou com muita sede, sinto saudade de suas delícias preparadas no domingo também. Voar não é tão bom, prefiro os vôos duplos. Mais seguros, envoltos em seu casulo.
 Carta de quem sempre te quererá bem
Para você:
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