terça-feira, janeiro 26

Carta do agreste




Quero dizer, antes de tudo, que sou forte. Meus braços e pernas trabalham harmoniosamente e não tenho medo das marcas da labuta. Dizem que quem põe a mão no arado não olha para trás. Eu queria poder esquecer o que ficou para trás...
Ah... O sol! Talvez o único que eu realmente sinta olhar por mim, sentir seu calor é a certeza que ainda existo. Nem nos dias de inverno me deixas, és o amigo mais leal que conheci.
Estou morrendo de sede. A minha garganta é seca, meu corpo fatiga pela ausência de líquido, mas é minha alma que tem mais sede. Aprendi a ser forte no sertão, transformar o pouco, mas não sei reinventar o nada. O que minha alma necessita, não há ouro que o possa comprar. Dê-me esperança e serei o lugar mais rico do mundo!
Estou morrendo de fome. Um organismo que anseia por algo que venha nutrir e me dar forças novamente. Mas se meu corpo ressuscita com migalhas, meu espírito precisa do alimento integral e pleno.
Não sou um deserto, apenas uma terra que se esqueceram de cultivar. Tenho muito potencial para dar fruto, mas não posso fazê-lo sozinho. Não sou uma terra morta, apenas necessito que despertes a vida que há em mim. Ainda darei mais frutos que possa colher...
Sou um campo já há muito pronto para a ceifa. Ainda não notas? Meus frutos se desprendem e machucam-se no solo por falta de quem os ponha em um cesto. Minhas folhas estão secando antes que alguém venha apanhá-las...
Estou em guerra, mas ninguém vem me defender. Levam meus pedaços e destroçam minhas partes, mas não querem me ajuntar...
Só preciso de gotas...
Vejo que tens muita água, muita vida em você. Importa-se em me trazer um pouco. Molhe um esponja, ela absorverá a água, eu a vida. Mostrar-te-ei como o pouco que me negas me fará próspera e feliz.
A água que dá a vida...
Não me dará migalhas, mas fará brotar o mais belo de dentro de mim.
Ansiosamente,
Sr. Tão.