domingo, outubro 3

Recomeçar

Recomeçar

Abrindo a janela, senti o frio daquela manhã penetrar em cada um dos meus poros, trazendo-me a sensação confortável, de simplesmente estar viva. O vento que cortava minha pele delicada, era apenas um detalhe;  naquele instante, eu era toda vida!
Graça tremenda era lembrar os momentos que antecederam este, eu  estivera  morta e sem rumo. Suspirei alguns segundos com esse pensamento. Não, a dor não tocava meu peito quando eu lembrava da vida sem vida. Apenas não sentia como se tais lembranças me pertencessem. Eu tocava as marcas profundas em minha pele, sabia que já desejara não mais respirar para não senti-las. Todavia não era como se elas fossem parte da minha história, alguém misteriosamente as levara consigo para outro lugar. As cicatrizes proeminentes não deixavam dúvidas: eu havia morrido. De algum modo que excedia o natural, eu fora curada, melhor dizer que na verdade, eu fora transformada.
Agora reparo em feixes de luz  por entre as nuvens vindo em minha direção, eu queria abraçá-los e sentir o seu calor corar minhas faces, há tanto tempo enrijecidas, que faziam muita força para sorrir diante de tanta vida. Graciosamente, o calor invade minha janela junto com o som de pássaros que pareciam tão distantes, mas perto o suficiente para tocar a altura certa da minha alma. O dia ficava a cada momento mais intenso, como se depois de morrer, você vivesse mais plenamente, abundantemente.
Agora eu queria fazer mortos viverem também. Saltei minha Janela e corri para o mundo. Mostrei minhas cicatrizes e  contei entusiasticamente como fora o dia da minha cura. Uns corriam da minha alegria, não sei se acreditavam que esta os sufocaria. Outros abriram suas janelas como eu havia feito, foram tocados pelo mesmo médico e sobreviveram a ferimentos que eu achava ainda mais graves que os que um dia eu tivera.       
A cada morto que vivia, sentia que minha vida também aumentava. Meu sorriso se alargara à medida que meu coração transbordava. Eu podia ver o Caminho, contemplá-lo sabendo da sua verdade. Se eu havia morrido, fora levada à vida para viver cada vez mais. Lembrei-me então: fora feita para a Eternidade...